A Universidade de Southampton, no Reino Unido, reclamou da falta de
dedicação de estudantes brasileiros bolsistas do Programa Ciência sem
Fronteiras (CsF). No último fim de semana, os bolsistas na instituição
receberam um e-mail da Science without Borders UK (SWB UK), parceira
internacional do programa no Reino Unido. A mensagem, à qual a Agência Brasil
teve acesso, dizia que a instituição cogitou "deixar de oferecer estágios
para estudantes no futuro". O estágio é um componente central da bolsa e
também um elemento obrigatório.
O e-mail, enviado sábado (13) a todos os bolsistas na instituição, diz
que o SWB UK foi "contactado pela Universidade de Southampton devido ao
número considerável de reclamações das faculdades em relação ao comparecimento
e à aplicação nos estudos". Outro trecho diz: "é muito decepcionante,
para nós, ouvir da universidade que os resultados têm sido bastante baixos e
que [os estudantes] não têm se esforçado. Eu entendo que isso não se aplica a
todos vocês, no entanto, para aqueles [que estão nessa situação], gostaria de
pedir que se esforcem mais e que cumpram todos os compromissos firmados,
incluindo reuniões com o supervisor do projeto para monitorar o
progresso."
Na mensagem, o SWB UK informa ter pedido à universidade os nomes dos
bolsistas que não estão se dedicando o suficiente. Existe a possiilidade de
eles terem que devolver o que receberam do programa. A universidade, localizada
na cidade de Southampton, na costa sul do Reino Unido está no topo de rankings
de instituições voltadas para a pesquisa. No ano passado, recebeu 38 estudantes
brasileiros pelo CsF – a mensagem foi endereçada a eles. No final deste mês, a
instituição recebe, por mais um ano, 33 alunos brasileiros.
Denise Leal foi uma das bolsistas que receberam o recado. "Eu achei
ofensivo ter recebido [a mensagem] porque realmente tive comprometimento com o
programa, mas entendi a intenção deles. A maioria dos estudantes que estão
participado do programa não se engaja muito porque o governo [brasileiro] não
exige nada em troca. Não cobra nada!", disse Denise, que cursa engenharia
civil. "A gente foi meio que solto aqui. Quer estudar, estuda. Não quer
estudar, viaja, porque o governo paga e não cobra resultado. O dinheiro dá e
sobra, então eles preferem viajar e faltar às aulas porque não tem presença,
chamada", acrescentou.
Procurada pela Agência Brasil, a SWB UK respondeu que o e-mail "não
deveria ter sido enviado a todos os alunos da universidade, que foi um erro
administrativo". A instituição parceira do CsF ressaltou que os estudantes
brasileiros têm um "impacto positivo" nos campi e que,
frequentemente, as universidades britânicas os elogiam: "muitos já
ganharam prêmios e recompensas, enquanto outros tiveram destaque nos meios de
comunicação, tanto no Reino Unido como no Brasil. Muitos estão firmando
parcerias de pequisas de longo prazo."
De acordo com o site do programa, o Reino Unido é o segundo na lista de
destinos preferidos pelos candidatos às bolsas. São quase 9 mil bolsas
implementadas, entre estudantes de graduação e pós. Segundo a SWB UK, mais de
100 instituições as que recebem esses alunos. Os Estados Unidos aparecem no
topo da lista de países, com mais de 20 mil bolsas concedidas.
O CsF foi lançado em 2011, com o objetivo de promover a mobilidade
internacional de estudantes e pesquisadores e incentivar a visita de jovens
pesquisadores altamente qualificados e professores seniores ao Brasil. Oferece
bolsas, prioritariamente, nas áreas de ciências exatas, matemática, química e
biologia, engenharias, áreas tecnológicas e da saúde. A meta é oferecer 101 mil
bolsas até o final deste ano. A partir do ano que vem, começa uma nova segunda
etapa, com mais 100 mil bolsas, que devem ser implementadas até 2018.
Os casos de estudantes que usam o dinheiro da bolsa para fins não
acadêmicos não se restringem, entretanto, a Southampton.
A falta um controle rígido das atividades do programa foi constatada
também pelo estudante de medicina Mário Henrique Vasconcelos. "Eu fazia as
provas das matérias que queria. Se não quisesse fazer prova de uma determinada
disciplina, era só comunicar. Não tinha nenhuma cobrança por parte do Brasil.
No retorno, só precisei provar que voltei", contou Mário Henrique, que
estudou na Universidade de Munique, na Alemanha. Ele disse que conhece
"gente que não foi a uma aula sequer".
"Eu diria que mais de 50% dos bolsistas não levavam aquela
oportunidade a sério. Tanto que eu saí da Austrália com vergonha de dizer que
fazia parte do programa", lembrou Carolina Del Lama Marques, que estudou
ciências biológicas na Universidade de Queensland, em Brisbane, na Austrália.
"Acabei até evitando estar no meio dos brasileiros do programa, pois
muitos deles falavam abertamente que estavam ali para viajar e aproveitar o
dinheiro da bolsa. Eu também viajei e acho que isso é uma parte muito
importante do intercâmbio, mas não me impediu de pegar matérias puxadas, que só
teria oportunidade de fazer lá, de trabalhar em laboratórios de pesquisa
reconhecidos no mundo todo e de fazer contatos importantes."
Apesar de terem constatado que havia falta de dedicação de alguns
alunos, os dois estudantes consideraram a experiência do Ciência sem Fronteiras
decisiva na vida profissional e que cumpriram com todas as atividades
acordadas.
O governo foi procurado, e a resposta coube ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que controla as bolsas
oferecidas no Reino Unido. Segundo a autarquia do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação, o programa trabalha no exterior com "parceiros
internacionais capacitados", aos quais cabe "fazer o acompanhamento
dos estudantes quanto a problemas de relacionamento com a universidade, de
adaptação à cultura, problemas de saúde e de desempenho acadêmico". Isso
ocorre em todos os países conveniados ao CsF.
Fonte: O Globo.
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