Todo mundo sabe que a Biblioteca Nacional, em seu centenário prédio na
avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, existe fundamentalmente para abrigar boa
parte da memória nacional. Mas nem todos têm conhecimento de que os suntuosos
corredores e salas de consulta já foram palco de outras solenidades. O pomposo
edifício já fez as vezes de sede da Câmara dos Deputados e foi cenário da posse
de um presidente da República.
Pois é. Além de armazenar pilhas e mais pilhas de livros e documentos
diversos, o prédio da Biblioteca acumulou outras funções. Entre 1922 e 1926, a
Câmara dos Deputados havia perdido seu espaço no Palácio Monroe para a
Exposição Internacional comemorativa do Primeiro Centenário da Independência do
Brasil – decisão que, aliás, gerou muita polêmica na época. Sem abrigo, a Casa
Legislativa acabou migrando para uma instalação provisória na então vizinha
Biblioteca Nacional.
Não demorou para que o tapete vermelho fosse estendido por ali. Como os
presidentes da República são empossados na Câmara, já em 1922 o edifício da
Biblioteca estampou páginas nos jornais quando Arthur Bernardes assumiu a
Presidência do Brasil. A solenidade foi capa da Revista da Semana de
25 de novembro daquele ano, com a matéria “A posse do Sr. Dr. Arthur Bernardes
na Presidência da República”. A publicação pode ser consultada na Divisão de
Iconografia da Biblioteca Nacional.
Durante esse período, o antigo salão principal de leitura – hoje salão
de Obras Raras – transformou-se em sala de sessões, enquanto a “galeria de
exposição de preciosidades” – atual gabinete da presidência da Fundação
Biblioteca Nacional – virou galeria para o público assistir ao trabalho dos
deputados.
Várias outras adaptações foram feitas para atender às demandas da
Câmara. A seção de manuscritos, na ala direita do edifício, foi em grande parte
ocupada pelos Correios, barbeiro e cafezinho dos deputados. No quarto andar,
toda a ala direita, reservada na época para a futura expansão do acervo da
Biblioteca Nacional, foi destinada a outra biblioteca: a da Câmara. Parte do
porão – atual primeiro andar e portaria da Rua México – tornou-se sala de
chapéus e entrada privativa para os parlamentares.
No meio de todas essas mudanças, foram instalados também dois
elevadores, que levavam os deputados da entrada privativa à sala de sessões,
distanciando-os do contato com o público geral. Mais tarde, os elevadores foram
modernizados e aproveitados.
Tudo isso é contado pelas fotografias publicadas naRevista da Semana.
Para os frequentadores assíduos da Biblioteca, é fácil bater o olho nas imagens
e reconhecer os ambientes de hoje exercendo outras funções naquela época. Na
foto da primeira página, por exemplo, Arthur Bernardes ocupa aquele que hoje é
o salão de Obras Raras para prestar “o solene compromisso expresso na Constituição”
perante o Congresso Nacional, reunido na Câmara dos Deputados.
Nas páginas seguintes, a cobertura fotográfica apresenta ainda todas as
etapas desse rito, desde a saída do ex-presidente Epitácio Pessoa do Palácio do
Catete, passando pela parada militar em frente ao prédio da Biblioteca, o
registro da subida das escadarias pelo novo presidente até o momento exato em
que Artur Bernardes é empossado.
Mas não era só de cerimônias oficiais que vivia a Revista da
Semana. Em suas páginas, o leitor se depara com uma crônica típica de
um baile de alta sociedade e com anúncios dos mais diversos: cabeleireiros,
perucas, remédios, cosméticos, entre outros. Em uma propaganda de butique, o
texto avisa: “Notre Dame de Paris: é hoje em dia parte obrigatória do programa de
todas as senhoras elegantes”.
Era também para as moças que a revista mantinha a seção Consultório de
Mulher. Solícita, Madame Selda Potocka, “antiga assistente da clínica Dr.
Buchener, de Londres”, respondia a cartas de senhoras ansiosas por dicas de cuidados
com a pele, cabelo e higiene em geral.
Bailes, aniversários e casamentos da alta sociedade brasileira também
tinham espaço cativo na seção “Noticiário Elegante”. E, ao mesmo tempo em que a
publicação apresenta a solenidade da posse presidencial, ocupa-se em mostrar um
retrato da vida privada da família Bernardes. Um tira-gosto para os curiosos
leitores que queriam saber um pouco mais sobre a intimidade daquele que iria
ocupar o mais alto posto da República.
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