Muitas
bibliotecas estão recebendo solicitações de usuários e gestores para que
incluam e-books em seus acervos. Quando isto ocorre, muitos bibliotecários
acreditam que o primeiro passo a ser dado é a aquisição de e-readers ou
tablets. Ter este entendimento é tão irreal quanto imaginar que para iniciar um
projeto de biblioteca digital deve-se adquirir primeiramente um scanner! A
utilização de dispositivos de leitura em bibliotecas pode representar
benefícios, porém não deve ser enxergado como uma política para inclusão destes
recursos em bibliotecas.
Ao
adquirir dispositivos de leitura, a biblioteca fará aquisição de conteúdo – que
será armazenado nestes equipamentos – e os emprestará aos usuários. Há poucos
anos alguns editores chegaram a sugerir que as bibliotecas oferecessem e-books
através de empréstimo de e-readers. Esta sugestão é polêmica, pois os altos
custos envolvidos na compra de equipamentos e sua oferta aos usuários
representam um risco. Considerando-se a má utilização, depreciação, manutenção,
obsolescência, risco de perda, roubo e demais danos, a adoção desta prática não
se mostra vantajosa às bibliotecas, sem considerar, inclusive, que não é
permitida a carga indiscriminada dos livros nos dispositivos móveis.
Um
dispositivo de leitura armazena grande quantidade de obras. Quando o leitor
retira um equipamento ele não está levando apenas uma obra, mas um conjunto
delas. Adquirir conteúdo e replica-lo em diversos dispositivos não é uma
postura interessante, pois não representa variedade de obras. É como se a
biblioteca possuísse diversos exemplares da mesma obra, porém reunidos em um
único aparelho.
É
necessário pontuar também que ao incluir estes recursos aos acervos, tanto a
equipe da biblioteca quanto os usuários devem receber uma capacitação mínima de
utilização dos dispositivos, caso contrário não saberão operar os equipamentos,
identificar os recursos disponíveis e realizar a leitura.
Algumas
experiências de utilização destes recursos são interessantes, porém antes de
comprar dispositivos, existem alguns detalhes que devem ser analisados:
1)
Escolha do equipamento: e-reader ou tablet? Ambos permitem a leitura de livros
eletrônicos, porém são equipamentos distintos. A escolha do equipamento, modelo
e marca influencia o tipo de publicação que poderá ser adquirida, assim como as
funcionalidades existentes. Por possuírem tecnologia e recursos diferentes, a
biblioteca deve ter clareza das vantagens e desvantagens na escolha do tipo de
dispositivo. De acordo com o Dicionário de Biblioteconomia e Arquivologia, de
Cunha & Cavalcanti (2008), e-readers são leitores de livro eletrônico. Já a
Wikipedia os define como pequeno aparelho que tem como função principal mostrar
em uma tela o conteúdo de livros digitais e outros tipos de mídia digital.
Tablets são computadores móveis, operados por tela sensível a toque (touch
screen). São dispositivos de uso pessoal em formato de prancheta, que podem ser
utilizados para navegação na internet, visualização de fotos, jogos ou para
leitura de jornais, revistas e livros. Os e-books serão baixados nos
dispositivos e a leitura deverá ser realizada por eles, sem opção de visualizar
os e-books em outros equipamentos como computadores ou smartphones. Não é
possível transferir um livro digital de um equipamento para outro;
2)
Formatos dos arquivos: é necessário identificar os formatos de arquivos
compatíveis com os dispositivos de leitura, caso contrário pode-se adquirir um
equipamento que não suporte alguns formatos, impedindo a leitura. O Kindle
utiliza-se de formato proprietário AZW, porém é compatível com arquivos em PDF
e ePub. Publicações adquiridas na Amazon apenas podem ser lidas por aparelhos
Kindle ou em tablets, desde que instalada a APP da loja virtual. A maioria dos
equipamentos suporta os formatos PDF e ePub;
3)
Conteúdo oferecido: A biblioteca deve estabelecer critérios sobre distribuição
do conteúdo incluído em cada dispositivo para otimizar o empréstimo do
equipamento. Recomenda-se que sejam definidos temas por dispositivo, assim as
chances de mais obras serem consultadas pelos mesmos usuários são maiores.
É
interessante conhecer algumas iniciativas de empréstimo de e-readers realizadas
por bibliotecas nos Estados Unidos, Brasil e Espanha.
A
Biblioteca Pública River Forest (Illinois, EUA) recebeu doação de três Kindles
em 2008 e investiu US$ 180,00 em compra de conteúdo, definindo três categorias:
ficção, não ficção e mistério/suspense. Os dispositivos foram catalogados pelas
categorias e disponibilizados para consulta pelo OPAC. As obras presentes em
cada equipamento não foram descritas num primeiro momento (poderiam ter sido
inseridas em nota de conteúdo). O objetivo do projeto não era tanto identificar
quais obras eram lidas, mas oferecer a experiência de leitura digital do
usuário. Ao retirar um e-reader emprestado, o usuário selecionava a categoria
do dispositivo que desejava e fazia empréstimo do equipamento. Os Kindles eram
emprestados com um carregador de baterias e uma capa em couro para transporte e
proteção. Antes de finalizar o processo de empréstimo, os usuários recebiam
capacitação sobre como utilizar o Kindle. Os equipamentos eram bloqueados para
impedir que os conteúdos fossem apagados ou que novas obras fossem adquiridas.
Os e-readers eram emprestados por três semanas, sem possibilidade de renovação.
Este serviço foi oferecido apenas à comunidade registrada na biblioteca, não
estando disponível para empréstimo entre bibliotecas (EEB). Os bibliotecários
não sabiam quais obras eram lidas, se total ou parcialmente. Com este fato não
era possível identificar as obras mais lidas, identificar o perfil do usuário
ou acompanhar detalhes do projeto, uma vez que apenas a categoria do e-reader
era registrado. Os bibliotecários também não prepararam pesquisas sobre opinião
dos usuários sobre a experiência, quando estes faziam a devolução. Os Kindles
mostraram-se bem resistentes com a circulação e poucos problemas foram
reportados.
O
projeto agradou a comunidade por permitir aos usuários o contato com
publicações eletrônicas. Desta forma o usuário poderia ter a experiência da
leitura digital sem a necessidade de investir na compra de um equipamento. No
início do programa formou-se longa fila de reservas, comprovando o interesse da
comunidade em experimentar a leitura de e-books. Atualmente a página da
biblioteca não faz destaque do serviço, porém os equipamentos estão descritos e
disponíveis no OPAC. Não é possível precisar a quantidade de dispositivos
existentes no acervo, porém foram identificados diversos modelos de Kindles
(Fire, Fire HD, Touch 3G etc.) no catálogo. Observa-se que as obras existentes
nos equipamentos estão descritas atualmente. Curiosamente os equipamentos
identificados no OPAC estavam todos disponíveis, o que pode representar que o
interesse dos usuários é menor pelo projeto ou então, que a biblioteca dispõe
de outras ofertas de acesso aos e-books (assinaturas, aquisição perpétua, PDA
etc.). Ainda pode-se deduzir que muitos dos usuários optaram por adquirir seus
próprios dispositivos ou então que a leitura digital não encontrou a aderência
imaginada.
A
Biblioteca de São Paulo oferece dispositivos de leitura a seus usuários desde
sua inauguração, em 2010. Eles possuem quatro equipamentos Kindle, com conteúdo
igual em todos os equipamentos, prevalecendo obras em domínio público, de
literatura nacional. Conteúdos parciais (capítulos) de obras protegidas por
direitos autorais e literatura estrangeira também estão disponíveis. Os
aparelhos não são oferecidos para empréstimo domiciliar, sendo seu uso restrito
ao espaço da biblioteca. Os Kindles ficam expostos em suportes e os leitores
podem utiliza-los. Segundo a equipe contatada, os aparelhos suscitaram maior
interesse no inicio do projeto, porém atualmente poucos usuários utilizam os
equipamentos ou fazem leituras completas dos e-books disponíveis. Os
equipamentos servem para atender a curiosidade da comunidade usuária em relação
à experiência da leitura digital, não sendo identificadas solicitações para
empréstimo domiciliar ou sugestão de novos conteúdos. O manuseio dos
equipamentos é semelhante ao que ocorre em lojas, onde os aparelhos estão fixos
e podem ser consultados, porém não permitem o mesmo contato que é feito quando
podem ser manuseados livremente.
As
bibliotecas públicas da Espanha adquiriram equipamentos e inseriram conteúdo de
obras em domínio público, prioritariamente literatura internacional, com obras
de Oscar Wilde, Cervantes, Shakespeare entre outros. Os usuários espanhóis
podem levar os equipamentos para casa, por períodos de 15 a 45 dias. O projeto,
iniciado em 2011, contou com investimento de 130 mil euros, com a compra de 750
e-readers, oferecendo o serviço para todas as 54 bibliotecas públicas do país.
Como
é possível observar nos projetos apresentados, os usuários demonstram interesse
em ler e-readers e a biblioteca mostra-se como um espaço convidativo para esta
oferta. Por outro lado, os investimentos e riscos são altos e a escolha e
utilização dos conteúdos é complexa, com dois casos de instituições que optaram
por dispor apenas obras em domínio público. Nota-se também que o uso e
interesse dos usuários tende a diminuir com o passar do tempo, por motivos que
não foram mensurados (ou pelo menos divulgados em relatos de experiências).
O
importante é ressaltar que comprar e disponibilizar e-readers não pode ser
identificado como uma política de uso de e-books em bibliotecas. Leitura
digital e e-books em bibliotecas são situações distintas. Recomenda-se, apenas,
cautela e clareza de critérios no momento de adquirir dispositivos de leitura,
evitando investimentos equivocados ou limitações de aplicação.
Fonte: Revolução e-book.
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