Internautas têm
o direito de exigir à Google que apague dos resultados de busca links para
notícias e outras páginas da web associados a pesquisas sobre seus nomes,
decidiu nesta terça-feira a mais alta corte europeia. A decisão do Tribunal de
Justiça da União Europeia (TJUE) afirma que qualquer pessoa “tem o direito de
ser esquecida” na internet, estabelecendo novo precedente no conflito entre os direitos
de acesso à informação e à privacidade. Ao mesmo tempo em que traz alívio para
quem busca se livrar de fatos humilhantes do passado que insistem em aparecer
no Google, a sentença pode dificultar a obtenção de informações importantes
para a sociedade.
A corte
europeia justificou sua decisão afirmando que resultados mostrados pelo Google
quando se pesquisa o nome de uma pessoa têm forte impacto na reputação dela.
Dessa forma, argumentou o tribunal, qualquer cidadão precisa ter direito de
obter a eliminação desses links em certos casos, sobretudo quando as
“informações são consideradas inconsistentes, não pertinentes ou deixaram de
ser pertinentes (...) com o decorrer do tempo.”
Os sites de
buscas não estão obrigados a acatar todos os pedidos, mas o TJUE não detalhou
quais parâmetros serão levados em consideração para isso. A sentença menciona,
no entanto, que deve-se ter cautela quando o solicitante é uma figura pública,
de modo a impedir, por exemplo, que um político recorra à nova regra para
extinguir da internet links para notícias desabonadoras sobre seu passado.
“Esse balanço
pode depender, em casos específicos, da natureza da informação em questão e de
sua gravidade para a vida privada da pessoa”, ponderou o decisão, acrescentando
que o interesse público também deve ser levado em conta, “particularmente de
acordo com o papel desempenhando pela pessoa na vida pública.”
- Trata-se do
conflito entre o livre acesso a informações de interesse público e o direito à
privacidade. A decisão vai mais pelo lado de controlar o que será acessado e
por quem, mas o que me preocupa é que ainda não temos claros quais parâmetros
são relevantes para determinar o que deve ser esquecido. Caberá a um juiz
determinar o que é de interesse público e jornalístico para continuar sendo
lembrado? - observou Carlos Affonso Souza, advogado e diretor do Instituto de
Tecnologia e Sociedade (ITS). - Um dos argumentos de quem está do lado dos
buscadores é sobre o registro histórico. Como decidir quando um fato que já foi
relevante no passado deixará de ser relevante no presente a ponto de ser
eliminado das buscas?
A resolução
europeia não tem impacto legal em países fora daquele continente. Ela também
diz respeito apenas a mecanismos de buscas; os sites onde as informações foram
originalmente publicadas (páginas de jornais e portais, por exemplo)
permanecerão intactos após a eliminação do link nas pesquisas. O que mudou é
que, no entendimento da corte de Luxemburgo, as ferramentas de busca são
responsáveis pelos dados pessoais exibidos nos seus resultados. Até então,
entendia-se que esses sites eram isentos de responsabilidade por apenas
agregadores de links para sites de terceiros.
Também não está claro o mecanismo formal pelo qual o internauta vai pedir o
desaparecimento do link. Como nunca tiveram obrigação de atender pedidos como
esse nessa escala, empresas como o Google ainda não tem uma estrutura pronta
para processá-los. Dada sua abrangência, Carlos Affonso Souza acredita que a
medida é de difícil implementação.
Segundo o
advogado Renato Opice Blum, especializado em direito digital, o internauta
europeu também pode exigir a retirada dos resultados de buscas à agência de
proteção de dados do seu país, sob pena de multa ao site que não acatar o
pedido. Esse processo já existia, mas a decisão da mais alta corte do bloco
abriu precedente favorável aos solicitantes.
Google não pode recorrer da decisão
Como a sentença
veio do tribunal máximo da UE, a Google não pode recorrer da decisão. Mas a
questão será avaliada por tribunais em cada um dos países do bloco europeu,
cuja função é implementar os entendimentos da alta corte.
A decisão foi
surpreendente, uma vez que no ano passado o advogado-geral da UE, Niilo
Jääskinen, declarou ao TJUE no ano passado que ferramentas de buscas não são
obrigadas a retirar de seus resultados conteúdo considerado legal, mesmo que
eles contenham informações pessoais que sejam prejudicial a um indivíduo.
Jääskinen argumentou que isso prejudicaria a liberdade de acesso à informação.
Dependendo da
forma como essa sentença for interpretada em futuras decisões judiciais,
empresas como Google e Microsoft (que possui o buscador Bing) podem sofrer um
baque em seus negócios. Há também implicações para os internautas em geral, que
terão maior dificuldade para encontrar na rede determinadas informações, e para
sites de conteúdo, que poderão ter seus links eliminados dos buscadores de uma
hora para outra.
Em post no
Facebook, a comissária de justiça da UE, Viviane Reding, comemorou a notícia,
que classificou de “clara vitória para a proteção dos dados pessoais dos
europeus.”
Google se diz decepcionada
Em comunicado,
o porta-voz da Google Al Verney disse que a notícia é “decepcionante para
ferramentas de buscas e publicações online em geral” e que a empresa iria agora
analisar suas implicações legais. A Google também ficou “muito surpresa”,
prosseguiu Verney, com o fato de a decisão “diferir tão dramaticamente” de
sentença do ano passado, que favorecera a companhia.
A conclusão do
tribunal se baseou em diretiva de proteção de dados aprovada em 1995, que
estabelece que, em alguns casos específicos, cidadãos podem exigir a eliminação
de suas informações pessoais da internet. Há dois anos, a Comissão Europeia,
braço executivo da UE, propôs lei para garantir aos cidadãos do bloco o direito
de “serem esquecidos” como parte de uma ampla atualização da diretiva de 95. O
projeto ainda está em tramitação.
Em 2013,
Jaaskinen argumentou, porém, que a legislação de 1995 só provê o “direito ao
esquecimento” na rede quando a informação é incompleta ou imprecisa. Segundo o
advogado-geral da UE, não é esse o caso da ação que motivou a sentença desta
terça-feira.
Sua origem está
em processo movido por um cidadão espanhol, que queria que seus dados pessoais
desaparecessem das buscas do Google. Mario Costeja González não queria que os
internautas vissem o link para página do jornal “La Vanguardia” de 1998, que
continha aviso do Ministério do Trabalho espanhol sobre leilão de imóveis
realizado para sanar dívidas de González.
González
apresentou denúncia em 2010 à Agência Espanhola de Proteção de Dados (AEPD),
argumentando que aquela informação não era mais relevante pois já havia pagado
seus débitos. A AEPD isentou o “La Vanguardia” mas considerou que a Google
deveria retirar o link da notícia de suas buscas. A Google recorreu à Audiência
Nacional espanhola, que levou o caso ao TJUE.
Brasil é segundo país em solicitações de retirada de conteúdo
Segundo Carlos
Affonso Souza, do ITS, a decisão vale apenas para as operações da Google na
Europa, mas é bastante comum que sentenças como essa inspirem tribunais de
outros países. Ele explicou que, embora não tenhamos legislação específica,
tribunais brasileiros têm decidido contra a retirada de links em ferramentas de
busca.
Ele lembrou
que, em 2012, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) derrubou liminar obtida pela
apresentadora Xuxa que determinava a remoção de resultados de pesquisas no
Google relacionadas a fotos sensuais e a uma cena erótica de que participou no
passado. Em março, ganhou notoriedade decisão da Justiça de São Paulo, que
negou ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) pedido para retirada de resultados de
buscas relacionadas ao seu nome em diversos sites - mas, nesse caso, o processo
ainda não foi concluído.
Mesmo assim,
segundo dados informações pelo relatório de transparência da Google, o Brasil é
o segundo no ranking de solicitações judiciais e governamentais de retirada de
conteúdo dos serviços da empresa, atrás apenas dos EUA. Entre janeiro e junho
de 2013, a Google recebeu 237 mandados para remoção de conteúdo, compreendendo
1.416 itens. A estatística não envolve exclusivamente resultados de busca,
incluindo também blogs e vídeo no YouTube, por exemplo. A companhia informou
ter acatado a ordem em 46% dos casos.
O diretor do
ITS contou que a experiência brasileira entende de maneira diferente links
exibidos em ferramentas de busca e conteúdo compartilhado em redes sociais. No
caso dos buscadores, eles só são obrigados a remover itens após decisão
judicial ou em casos de pornografia de vingança e pedofilia ou violação de
direitos autorais. Já nas mídias sociais vale regra conhecida pela expressão em
inglês “notice and takedown”, segundo a qual os sites podem ser
responsabilizados caso não removam conteúdo após notificação dos usuários. O
Marco Civil da Internet, sancionado pela presidente Dilma Rousseff no mês
passado, proporciona às redes sociais o mesmo tratamento dos buscadores, mas
ainda não se sabe como ele será interpretado na Justiça, esclareceu Souza.
- No meu
entendimento, o site de buscas não é responsável pelo conteúdo que agrega. Ele
simplesmente remete os usuários para outro endereço. A decisão é uma aberração,
viola os princípios básicos da internet e do acesso à informação. É um
retrocesso - disse Guilherme Carboni, advogado especializado em propriedade
intelectual na internet.
O advogado
Opice Blum discorda, argumentando que os sites de buscas são responsáveis pelos
links que agrega porque também processam a informação.
- Se a
informação for ilegal, ou seja, se for inverídica e denegrir alguém, por
exemplo, as ferramentas de pesquisa devem retirá-la do ar quando solicitadas.
Ou então atualizar seus indexadores para que deixem de exibir notícias que já
foram atualizadas nos sites de origem - criticou Blum. - Empresas como a Google
costumam alegar que não têm condições técnicas de fazer essa filtragem, mas eu
duvido. Elas detém o que há de mais avançado em termos de infraestrutura de
internet.
Fonte: O Globo.
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