RIO E RECIFE - “Não
pedem para eu ler muito aqui, não. Mas também não faço tanta questão assim.
Acho meio chato”. Assim, Adriel Ferreira, 11 anos, aluno do 5º ano de uma
escola municipal de Belford Roxo (RJ), um menino como milhões de outros país
afora, resume espontaneamente o desinteresse pela leitura, reforçado por um
dado preocupante, mas nada surpreendente: a escola dele integra o gigantesco
grupo de 65% de unidades de ensino, públicas e privadas, sem bibliotecas no
Brasil. Os números, presentes no Censo Escolar 2013 e compilados pelo portal
Qedu, mostram que, desde 2010, quando entrou em vigor a lei 12.244 — que obriga
todos os gestores a providenciar, até 2020, espaços estruturados de leitura em
seus colégios —, a situação praticamente não evoluiu. Naquele ano, só 33,1% das
escolas tinham bibliotecas; em 2013, eram 35%.
— Uma vez até fui mexer ali na sala de leitura (repleta de caixas de papelão e sacos plásticos), mas o pessoal da escola falou que não era para tocar em nada. Disseram que era para os professores — lembra Adriel.
— Uma vez até fui mexer ali na sala de leitura (repleta de caixas de papelão e sacos plásticos), mas o pessoal da escola falou que não era para tocar em nada. Disseram que era para os professores — lembra Adriel.
Embora em melhor situação, as escolas particulares ainda estão longe da
universalização dos espaços de leitura: apenas 59% delas os têm, ante 28,9% das
públicas. Há também grande disparidade regional. Sul e Sudeste têm a maior
concentração de bibliotecas, enquanto Norte e Nordeste enfrentam dificuldades.
Rio Grande do Sul (63,41%), Minas Gerais (60,52%) e Paraná (58,05%) ocupam as
três primeiras colocações; Acre (18,29%), Maranhão (13,88%) e Pará (15,83%), as
últimas. O Rio está em sexto, com 46% de unidades equipadas. São Paulo tem só
24%, na 19ª colocação.
Fora do orçamento das escolas
Os baixos percentuais de cobertura levam educadores a não acreditar que
a lei será cumprida até 2020. Christine Fontelles, diretora de educação e
cultura do Instituto Ecofuturo, defende a extensão do prazo. Ela trabalha no
projeto Eu Quero Minha Biblioteca, que ajuda professores, diretores, pais e
alunos a requisitar e implantar bibliotecas nas escolas. Seu trabalho envolve
articulações com secretarias de Educação e o MEC:
— Há pouco conhecimento sobre o texto da lei e pouquíssima referência
sobre o impacto que uma boa biblioteca pode causar. Não há ainda uma tradição
no país de incluir as bibliotecas no orçamento das escolas. O que não pode
haver é um improviso. É preciso haver lugares adequados para a leitura, não
adianta ter livros num caixote.
Na rede municipal do Rio de Janeiro, segundo o Censo de 2013, apenas
21,71% das bibliotecas escolares podem ser consideradas como tal. O índice já
foi melhor: há quatro anos, eram 34,28%. O que ocorre é que muitas possuem
espaços dedicados a atividades de leitura, inclusive com amplos acervos, mas
que não obedecem à lei.
Um exemplo é a Escola Municipal George Pfisterer, no Leblon, Zona Sul da
cidade. O acervo da sala de leitura é de 10 mil títulos para aproximadamente
1.300 alunos, sendo a grande maioria proveniente da Rocinha. Lá, professores
trabalham atividades com livros, como adaptação de obras literárias para o
teatro, resenhas e até concursos de poesias. No entanto, diferentemente do que
preconiza a lei, quem trabalha no local não são bibliotecários, mas sim
docentes, os chamados “professores regentes”.
Mesmo assim, os gestores da escola garantem que a fórmula é mais
eficiente do que o modelo de uma simples biblioteca. Há dois anos na sala de
leitura, a professora de História Isabel Gonçalves Lepediano conta que o número
de empréstimos solicitados voluntariamente por alunos chegou a 3.529 só até
agora em 2014, mais que o total de 2013.
Uma das frequentadoras da sala de leitura, a estudante Raquel de Araújo
Silva, de 12 anos, diz que o local a estimula a ler. Mas sustenta que o gosto
pela leitura surgiu em casa:
— Comecei com livros de poesia do meu pai.
Metodologia explicaria queda
A explicação para a queda no número de escolas com bibliotecas na rede
carioca está na metodologia do Censo Escolar. Essa é a opinião de Simone
Monteiro, coordenadora do Programa Rio, Uma Cidade de Leitores da Secretaria
municipal de Educação. Segundo ela, a Prefeitura tem projetos de incentivo à
leitura nas escolas que, às vezes, podem ser desconsiderados por gestores na
hora do preenchimento do questionário do Censo.
— Os dados do Censo não condizem com a realidade. Nossa oferta é muito
maior do que está ali.
No bairro popular de Nova Descoberta, na Zona Norte do Recife, a
situação é bem mais drástica. As escolas municipais Casa Amarela e Córrego de
Areia simplesmente não têm qualquer coisa que se assemelhe a uma biblioteca. Os
livros são ofertados de forma improvisada — numa caixa de papelão, como ocorre
na primeira, ou em pequenas estantes, como na segunda. Das 232 escolas da
prefeitura, mais da metade não tem espaços adequados de leitura.
Há 12 anos lecionando na rede, a professora Vânia Costa lamenta a
situação:
— Temos títulos interessantes, uns 50, mas não há espaço adequado. As
crianças manuseiam os livros, mas, como eles ficam na caixa, acabam
danificados.
Na Córrego da Areia, a direção criou “cantinhos da leitura” nas salas de
aula, onde foram instaladas prateleiras. Ao todo, há 500 títulos.
— Já tive oportunidade de trabalhar em uma escola sem biblioteca, no
Córrego da Bica, e depois, quando ela foi instalada, percebi a diferença. A
disputa pela biblioteca, onde também tinha um laboratório de informática, era
grande — conta Sílvia Patrícia Bezerra Rocha, coordenadora pedagógica da
unidade.
Apesar de estarem em situação melhor que as públicas, as escolas
particulares vêm perdendo espaços qualificados. Em 2010, eram 60,24%; ano
passado, 58,68%. No Estado do Rio, a queda foi de 66,23% para 60,24%. De acordo
com a presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares, Amábile
Pácios, há uma “percepção por parte dos colégios de que a lei está
ultrapassada”.
— Alunos trazem celulares e tablets para a sala. É evidente que preferem
bibliotecas virtuais. A biblioteca (física) ainda é importante, mas agora não
podemos mais dizer que é essencial — alega.
Fonte: O Globo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário